9.1 ... UM ELO COM O PASSADO

1.

É noite. Na biblioteca de uma rica mansão uma mulher elegante, aparentando cinquenta anos de idade, levanta repentinamente de onde estava sentada.

- Não sei por que você voltou. Nunca vai conseguir aquilo que quer!

Apesar da voz segura ela está com medo. Na sua frente, há um demônio.

- Dessa vez vai ser diferente, senhora Swanson. Dessa vez, você não tem como escapar!

Erguendo uma das mãos em direção à sua vítima, o demônio faz com que ela se sinta sufocar. Pega de surpresa, a mulher tenta reagir, e corre em direção ao balcão da sacada.

- Isso não é possível! Você não tem poder para me ferir!

- Muitas coisas mudaram, minha cara. Como vê, você não é mais imune para mim - Diz o demônio, aproximando-se. - Tudo depende de você. Posso poupar a sua vida, ou manda-la para o além junto do seu marido.

- Não... Não!

Um novo gesto, e a mulher está novamente sufocando. Ela tenta fugir em direção à sacada.

- Não adianta fugir! Me dê logo o amuleto, ou você vai morrer!

- Se depender se mim, ele nunca será seu!

Quase desfalecendo, ela tropeça e cai por sobre o balcão. Seu corpo despenca do andar mais alto da mansão. Surpreendido pela queda da mulher, o demônio se aproxima da sacada e observa o corpo, já sem vida, no solo.

Ele tem no rosto uma expressão de fúria. Sabe que, agora, está ainda mais longe do seu objetivo.

2.

O dia amanheceu ensolarado em San Francisco. Na Mansão Halliwell, as irmãs Piper e Phoebe estavam inquietas.

- Está quase na hora de levar os meninos para a creche! A Paige não disse que chegava logo? - Reclamou a mais velha.

- Se ela se atrasar mais não vou poder esperar. Não posso faltar novamente à reunião na editora. A capa do meu livro tem que ser definida hoje! - Disse Phoebe.

- Você já acabou de escrever? Pensei que ainda estivesse no terceiro capítulo!

- Bem, estou no quarto capítulo... de sete. Pelo menos já passei da metade.

Piper percebeu que Phoebe estava tento dificuldades com a nova atividade. Há alguns meses, ela foi convidada a escrever um livro, inspirado em sua coluna no Bay Mirror.

- Bem, leve o tempo que quiser. Eu tenho certeza que vai ser um sucesso! - Disse, abraçando a irmã.

- Acho que sim... Se eu que me concentrar em cumprir os prazos! Mas não se preocupe comigo. E você? Como vão os preparativos para a abertura do restaurante?

Piper voltou a ficar nervosa, lembrando o motivo de sua impaciência.

- Nem me fale! Os fiscais da Secretaria de Saúde vão vistoriar a cozinha esta tarde, e o Leo está lá sozinho! Afinal, onde está Paige?

Como se fosse uma resposta, as irmãs escutaram o barulho da porta da mansão abrindo.

- Irmãs, cheguei! - O grito de Paige demonstrava sua habitual animação.

- Já não era sem tempo! - reclamou Piper.

- Pois bem, por que você precisava nos ver com tanta urgência?

Paige se aproximou e sentou num dos sofás do solário, onde estavam as irmãs.

- Vou logo ao assunto. Vocês sabem que voltei a trabalhar no escritório de Assistência Social?

Piper ficou admirada.

- Paige, como acha tempo para isso?

- Já não chega ser esposa, bruxa e ter que cuidar dos seus protegidos? - Completou Phoebe.

- Eu não fico lá em tempo integral. É trabalho voluntário, vou apenas dois dias por semana.

As duas irmãs se olham, com um sorriso de cumplicidade. Paige estava sempre arranjando coisas novas para fazer!

- Bem, não sei se ouviram falar da morte de Helen Swanson, há cerca de duas semanas.

- Sim, eu sei de quem você está falando - respondeu Phoebe.  - Era uma mulher muito rica, sempre envolvida com obras de caridade. O pessoal do jornal fez várias matérias quando ela doou uma grande coleção de arte para o museu da cidade.

- Ela morreu ao cair de uma sacada, na sua Mansão. O caso foi considerado suicídio, mas Henry acredita que, na verdade, ela tenha sido assassinada.

- Por quê?

- Ela não tinha motivos para se matar. Vivia muito bem, era milionária e adorada por sua ajuda em obras beneficentes. Além do mais, não havia nenhum bilhete de despedida. Todos que a conheceram duvidam que isso seja verdade.

Paige se levantou e tirou um embrulho de dentro da bolsa. Era uma caixa de tamanho retangular, de cerca de trinta centímetros de comprimento, embrulhada em papel pardo.

- De qualquer forma já deram o caso por encerrado, pois não há indícios de crime. Não foram encontradas impressões digitais estranhas, marcas de luta nem sinais de roubo na residência. Mas chegou até nós este pacote, com instruções para que fosse enviado depois de sua morte.

- O que tem aí dentro? - Perguntou Piper, não contendo a curiosidade.

- Não sei. Mas o que tem aqui fora é que me chamou muito a atenção.

Paige girou o embrulho de forma que as irmãs pudessem ver o que estava escrito. Em letras grandes, se lia o nome do destinatário:

ENTREGAR PARA PRUE HALLIWELL
CASA DE LEILÕES BUCKLANDS

3.

Agaures entrou apressado na caverna repleta de objetos rituais. Ao perceber a aproximação do amo, um gavião, que repousava sobre o poleiro, gritou.

- Venha! - Ordenou o demônio.

O gavião voou pelo aposento, indo pousar no punho de Agaures.

- Dessa vez foi por muito pouco, Hory. O amuleto estava quase em minhas mãos. Mas aquela mulher pôs tudo a perder!

A ave gritou novamente, como se respondesse ao seu dono.

- Não posso mais sentir onde ele está. É sinal de que ainda não existe um novo guardião. Mas, quando o amuleto encontrar um novo protetor, eu vou saber imediatamente!

Agaures se aproximou de uma mesa e escolheu um entre vários punhais.

- E o meu ataque também será imediato!

4.

Na mansão, as irmãs observaram o pacote. Paige estava curiosa, mas as outras duas pareciam ter medo de abri-lo.

- Vocês não estavam com pressa?

Piper e Phoebe ignoraram o comentário.

- Como ela podia conhecer a Prue?

- Certamente devia fazer muito tempo. Ela nem sabia que a já Prue morreu! - Respondeu Phoebe.

Paige ficou ainda mais inquieta.

- Andei me informando sobre isso também. Há alguns anos, Helen Swanson ficou viúva, numa situação financeira bastante difícil. Parece que o marido dela tinha uma grande coleção de objetos raros que valia muito dinheiro. Essa coleção foi leiloada pela Bucklands. Agora, vamos abrir o pacote?

- Então ela deixou algo para Prue como agradecimento. - Supôs Phoebe.

- O advogado tinha instruções para entregar o pacote à Prue, se algo acontecesse com a senhora Swanson. Acabou indo parar lá na Assistência Social. Mas precisamos abrir para saber o que tem dentro!

Paige pegou o pacote e rasgou o papel. Dentro, havia uma bela caixa de madeira coberta de antigas inscrições egípcias. As três se aproximaram para apreciar melhor.

- Parece muito antigo!

Paige abriu a caixa. Acomodado lá dentro estava um objeto feito em metal dourado, brilhando como se tivesse acabado de ter sido polido.

- O que é isso?

- É um amuleto egípcio, um Ahnk - respondeu Phoebe. - Acho que li algo sobre ele no Livro das Sombras.

Sem mais demora, as irmãs Halliwell subiram as escadas em direção ao sótão para consultar o Livro.

5.

Do outro lado da cidade Leo caminhava entre operários e ajudantes, na obra do futuro restaurante de Piper.

- Nunca pensei que você tivesse vocação para empresário, Leo!

Ele se virou e viu Morris chegando.

- Mas vocês estão indo muito bem. - Disse o policial.

Leo parecia confuso e um tanto atrapalhado.


- Tanto quanto um ex-médico e ex-anjo poderia ir no meio de toda essa bagunça! É bom ver você, Darryl. Quando você voltou da Costa Oeste?

- Fui transferido para o esquadrão que investiga casos que nunca foram solucionados. Espero que as irmãs possam me ajudar em alguns deles.

- Piper já deveria estar aqui. Temos uma vistoria esta tarde. Se você quiser, eu ligo para ela, avisando que você voltou.

- Não é necessário. Tenho que encontrar com uma testemunha aqui perto, agora. Mais tarde eu telefono, ok?


- Se importa de me contar do que se trata?

- Ainda não descobri muito. Estou investigando possíveis ligações entre uma série de assassinatos cometidos há mais de dez anos, em vários lugares do país. E pela convivência que tive com as irmãs, suspeito de que exista um demônio envolvido.

- Vou avisá-las! - Conclui Leo.

6.

- Aqui está!

No sótão, Phoebe leu a página do Livro das Sombras onde o desenho mostrava um objeto igual ao amuleto dentro da caixa.

- "O Ahnk ou Cruz Ansata simboliza os conceitos de vida e morte, ou melhor, de vida eterna. A lenda diz que o amuleto original foi entregue pelo próprio deus Osíris aos faraós do Egito, como a chave que abriria os portões da vida após a morte."

Piper pareceu se desinteressar pelo assunto.

- É um belo enfeite com um lindo significado, mas era um presente para Prue, e eu não sei o que fazer com ele. Vou deixar que vocês decidam, porque está na hora do meu compromisso no restaurante.

- Espere! - Pediu Phoebe. - Aqui fala que um amuleto de fato existiu mas que, por motivos misteriosos, nunca chegou a ser usado.

- Mas com certeza esse não é o Ahnk de verdade, não é? É só uma cópia! - Disse Paige, pegando o amuleto nas mãos.

Nesse mesmo instante, o Ahnk começa a brilhar ainda mais, emitindo um forte raio de luz. Paige segurou o objeto firmemente, como se simplesmente não pudesse largá-lo. A figura de uma mulher se formou na luminosidade do amuleto.

Era o fantasma da senhora Swanson.

- Não se assustem! - Ela pediu, e depois se virou para Paige.  - Tem coisas que você precisa saber, agora que se tornou a nova guardiã do Ahnk.

7.

As irmãs olharam, espantadas, para a aparição de Helen Swanson.

- Eu costumava ser a guardiã do Ahnk. Mas, por ignorância, traí a confiança que em mim foi despositada. Quando meu marido morreu, encontrei este objeto entre as coisas dele. Eu não sabia para que servia, e decidi vender com o resto, pois estava sozinha e sem dinheiro.


- Mas por que deixou esse amuleto para Prue Halliwell? - interrompeu Piper.

- Quando ela me ajudou a vender as coisas de Frank, na casa de leilões, percebi que Prue tinha grande  amor e conhecimento sobre arte e mitologia antiga. Tive a esperança de que, se ela descobrisse o seu real valor, pudesse manter o Ahnk a salvo.

- A salvo do quê? - perguntou Phoebe.

- De Agaures, o demônio. Vocês devem prestar atenção no que eu digo: Quando toquei o Ahnk pela primeira vez recebi a tarefa de me tornar sua protetora, assim como você. Eu era uma guardiã como antes de mim foi meu marido. Mas Frank manteve isso em segredo, e acabou sendo morto por Agaures antes que pudesse me contar a verdade.

O fantasma da senhora Swanson continuou:

- Ao perceber que eu era a nova guardiã, Agaures me propôs um pacto. Prometeu tornar-me milionária, pois sabia que eu enfrentava dificuldades terríveis. Em troca, queria o Ahnk. Eu não tinha idéia do que isso significava, e aceitei. Mas, assim que eu soube, tratei de buscar proteção e nunca entreguei o amuleto a ele!

- E para que ele quer o Ahnk? - Paige perguntou.

- Ele quer a vida eterna. Permitir viver para sempre é um dos poderes do Ahnk. Por isso, seu dever é impedir que caia nas mãos erradas!

As irmãs finalmente perceberam o valor do objeto que receberam. E ficam apreensivas com o tamanho da tarefa: um demônio imortal seria um problema e tanto para resolver!

segunda parte